Onde está Dâniel Fraga, o Belchior ultraliberal que peitou o Estado e virou lenda?

Todo movimento tem seus heróis, e para os anarcocapitalistas (ancaps para os íntimos), quem mais se aproxima desse status é Dâniel Fraga (com acento circunflexo mesmo).

Fraga peitou e zombou do Estado. E depois sumiu. Possivelmente, não sem antes ficar zilionário investindo em bictoins. Onde está Dâniel Fraga é um dos grande mistérios dos dias atuais (pelo menos se você for um ancap).

Como mostrei recentemente numa reportagem da Ilustríssima, anarcocapitalismo é uma vertente extrema do liberalismo que advoga o fim do Estado e a provisão de todos os serviços pela iniciativa privada.

Isso inclui saúde, educação, transporte e até justiça, polícia e defesa nacional. Para os ancaps, imposto é roubo, e a existência do Estado é uma forma de violência contra o indivíduo.

Muitos dos seguidores desse credo sabem que um rompimento definitivo é impossível. A maioria deles, cada vez mais presentes em setores da nova economia e até no governo federal, segue a linha gradualista, de perseguir a extinção do Estado como um ideal.

Mas há também os mais radicais, conhecidos como brutalistas, que não admitem concessões no discurso. E Dâniel Fraga era (ou é, onde quer que esteja), o mais brutalista dos brutalistas.

Gradativamente, por volta de 2012, esse pequeno empresário de São Paulo começou a postar vídeos com críticas a órgãos e funções de Estado. Passou o a atacar o pagamento de impostos e até criticar a repressão estatal ao contrabando, que para ele, nada mais é do que uma troca comercial voluntária entre pessoas como qualquer outra.

Aos poucos, sua retórica foi se intensificando. Em 2015, Fraga colocou no YouTube o vídeo “Aprenda a roubar com a Receita Federal”, em que apresenta os profissionais da instituição como “o conjunto de ladrões engravatados trabalhando para a pior máfia que existe, que é o Estado”.

Em razão disso, foi processados por dois servidores do órgão, que reclamaram de terem suas imagens usadas sem consentimento no vídeo.

Sem aceitar a autoridade do Estado, Fraga ignorou o processo, não sem antes colocar mais alguns vídeos no YouTube reclamando da perseguição que sofria. E, lá pro fim de 2015, ele escafedeu-se sem deixar registros como endereços, documentos e patrimônio. Seu paradeiro até hoje é desconhecido.

Em círculos anarcocapitalistas, especula-se que ele tenha convertido todo o seu patrimônio em bitcoins, as moedas virtuais que ultrapassam fronteiras e sobre as quais não há regulação central. Ele foi um dos primeiros entusiastas delas, por volta de 2010, quando ainda eram praticamente desconhecidas.

Ancaps adoram bitcoins, pois seu conceito é justamente o de prescindir de uma autoridade como um Banco Central. É como se fosse uma parte da utopia de um mundo sem Estado que se tornou concreta.

Vem daí a hipótese de que está rico, já que as bitcoins subiram de uma cotação de menos de US$ 100 há dez anos para US$ 11.750 na cotação da última quinta-feira (8).

O fato é que, ao sumir, ele se tornou lenda. Talvez esteja fora do Brasil, embora a Justiça tenha suspendido seu passaporte. Ainda existe um canal dele no YouTube, com 114 mil inscritos, mas o último vídeo é de setembro de 2015.

Recentemente, falei com diversas pessoas da comunidade anarcocapitalista sobre ele. O clima é de mistério.

Um empresário do setor de bitcoin me disse que há alguns meses mandou uma mensagem para um endereço de celular que seria de Fraga e a mensagem chegou a ser visualizada. Mas não foi respondida.

Uma coordenadora de diversos fóruns ancaps na internet para quem perguntei se sabia onde Fraga está rapidamente mudou de assunto. Outro afirmou que tinha quase certeza do paradeiro dele, mas obviamente não quis me revelar nada.

Nas redes sociais ancaps, Fraga é um ícone de rebeldia, quase um James Dean. Há grupos de discussão de Facebook em sua homenagem, como o Instituto Dâniel Fraga de Estudos Anarcocapitalistas, e outros semelhantes.

Com o sumiço, o jeito foi a Justiça Federal suspender o processo contra ele, o que aconteceu em agosto do ano passado. A justificativa da juíza Raecler Baldresca é música para os ouvidos anarcocapitalistas.

“O querelado [Fraga] não foi localizado em nenhum dos endereços constantes dos autos, mesmo após diversas pesquisas e consultas às operadoras de telefonia, provedores de internet e Tribunais Regionais Eleitorais, havendo fortes indícios de que esteja se ocultando”, escreveu ela.

Por dribles assim é que Dâniel Fraga é hoje um mito. Uma espécie de Belchior dos ultraliberais.