Grupo de mulheres liberais desafia monopólio da esquerda sobre feminismo
No último dia 30 de junho, durante manifestação em favor do ministro Sergio Moro (Justiça) na avenida Paulista, um pequeno grupo na calçada defendia a importância do feminismo. Parecia loucura: o que aquelas esquerdistas estavam fazendo no meio de uma multidão de direita?
A resposta é que não se tratava de um grupo de esquerda, mas liberal, o Lola (Ladies of Liberty Alliance, ou Aliança das Mulheres da Liberdade). Confesso que para mim a expressão “feminismo de esquerda” sempre foi um pleonasmo. Mas eu estava enganado.
“A primeira feminista da história, a escritora inglesa Mary Wollstonecraft [1759-97], era liberal. Só depois, com a expansão do socialismo, o feminismo se associou à esquerda”, diz Cecília Lopes, 20, estudante de economia na PUC-RJ e presidente do Lola no Brasil.
O grupo surgiu nos EUA em 2009 e hoje tem representações na América Latina, África e Ásia. No Brasil, chegou no ano passado e ainda está se estruturando. Tem núcleos em oito estados, com cerca de 300 mulheres afiliadas. Todas liberais, claro.
Para Lopes, usar feminismo e esquerda como sinônimos não resiste a uma breve análise histórica. “Sempre houve muito machismo na esquerda, com Stalin, Che e Marx, por exemplo”, diz ela (que nessa entrevista pediu que constasse a ressalva de que fala em caráter pessoal, não como líder do grupo).
Conciliar feminismo e liberalismo, segundo Lopes, é perfeitamente possível. Os objetivos são os mesmos, ou seja, unir e fortalecer (ou empoderar) mulheres. Os meios é que são bem diferentes.
Um exemplo é uma das bandeiras mais importantes para as feministas, a paridade salarial entre homens e mulheres. No lugar de defender leis que corrijam essa distorção, o Lola sugere caminhos menos intervencionistas. “Não é numa canetada que vai resolver”, afirma ela.
O mais importante, para o Lola, é investir em educação para as meninas.
“Homens em geral vão para áreas de exatas, e mulheres, para as de humanas, que pagam menos. Isso vem de uma educação desigual: bonecas para meninas, brinquedos de construir para meninos. É preciso investir em educação igual”, afirma.
Outra medida liberal: instituir a licença parental dividida entre pai e mãe. “Os patrões tendem a negociar salários menores para mulheres em idade de ter filhos. Com a licença dividida, isso seria amenizado”, declara.
O Lola, diz sua presidente, é uma entidade plural, e aceita inclusive mulheres não-feministas (mas que são minoria).
Para ela, o feminismo de esquerda se perde em questões secundárias, como a discussão sobre o “manterrupting” (quando homens interrompem a fala de mulheres).
“Falar de manterrupting não é o mais importante. O mais importante é a falta de liberdade, se a mulher vive sob o mando de um marido, se não pode casar e trabalhar da forma que quiser”, diz.
Em termos práticos, o Lola promove aulas de autodefesa feminina, cursos de finanças pessoais e de oratória, além de grupos de estudos de leituras liberais.
Em São Paulo, explica a coordenadora estadual do grupo, a advogada Marina Zonis, 25, há um foco grande na questão do emprego. “As mulheres falam muito da dificuldade de conseguir ou manter emprego após ter filhos”, diz.
Para tentar ajudar, o Lola faz oficinas para a elaboração de currículos e dá orientações sobre como se comportar em entrevistas de emprego.
Zonis se define como uma liberal clássica. Para explicar suas convicções, gosta de usar a imagem de que defende “um Estado que não coloque cadeiras na frente de uma pessoa que queira caminhar”.
Sua primeira experiência feminista, diz ela, foi de esquerda, como é frequente acontecer. Mas isso não satisfazia seus anseios.
“Se você quer alguém que defenda pautas femininas, você não tem escolha, tem de votar no PSOL. Mas eu não me identifico com nenhuma outra pauta do PSOL. Esse é o problema”, afirma. O Lola, diz, veio tentar oferecer uma alternativa (embora seja uma entidade apartidária).
Por enquanto, uma das maiores dificuldades do grupo é conquistar um nicho entre as feministas e lidar com bullying virtual, sobretudo em sua página no Facebook. Como resume Zonis:
“A gente é odiado pela esquerda pela direita. A gente é um negócio que não deveria existir. Mas queremos mostrar que as mulheres liberais existem”.