Opinião: Criminalizar homofobia é expansão lamentável do Direito Penal

(Este blog tem sido um espaço de reportagem, mas hoje abro uma exceção para um artigo de opinião. Quem escreve é Filipe Morais, delegado de polícia em São Bernardo de Campo (SP) e estudioso de Direito Penal. Para ele, o combate à homofobia, que ele julga imprescindível, não deve ser feito a partir do enquadramento em um tipo penal, como fez o STF, que seria contraproducente.)

Por Filipe Morais*

No dia 13 de junho, o Supremo Tribunal Federal decidiu por 8 votos a 3 o enquadramento da homofobia na lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, até que o Poder Legislativo edite lei específica sobre o tema.

O assunto foi alvo de amplo debate dentro e fora da comunidade jurídica, sobretudo em razão do argumento de que o STF teria legislado sobre o tema.

O crime de racismo foi previsto no inciso XLII do artigo 5.º da Constituição Federal, nos seguintes termos: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

Para aqueles que não estão familiarizados com a terminologia do Direito, fiança é um instituto que permite ao réu responder ao processo penal em liberdade e é arbitrada de acordo com a gravidade do crime e sua situação econômica.

Prescrição é a perda do direito de promover a ação penal em razão do transcurso do tempo. Portanto, quando a Constituição afirma que o racismo é crime imprescritível, este será processado independentemente do tempo transcorrido entre a prática do crime e a proposição da ação penal. Por fim, reclusão é a modalidade de pena que permite a imposição de regime prisional aberto ao fechado.

Ainda que o legislador constituinte tenha atribuído tratamento gravoso ao racismo, da leitura da lei 7.716/89, que regulamenta aqueles crimes, verifica-se que as penas impostas são pequenas e variam de 1 a 5 anos, ou seja, próximo às de menor potencial ofensivo, que não superam 2 anos. O mesmo se dá no crime de injúria racial do Código Penal, cuja pena varia de 1 a 3 anos de reclusão.

Os crimes de racismo e injúria racial agora aplicam-se também aos casos de discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero. A partir da experiência da aplicação da lei de racismo e do crime de injúria racial, a sociedade brasileira poderia expurgar a discriminação de qualquer natureza enquanto comportamento digno de censura estatal?

Basta uma consulta na jurisprudência dos tribunais para se constatar que, paradoxalmente, as penas impostas pela justiça criminal nos crimes de racismo são mais brandas do que aquelas que poderiam ser impostas pela justiça cível.

Isso porque o juiz fica limitado aos patamares de penas descritos pela lei, o que não ocorre, por exemplo, no caso de imposição de indenização por danos morais pela justiça cível.

Uma pena pela prática de injúria racial dificilmente atinge um ano e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, isso quando não é convertida em restrição de direitos.

Por outro lado, indenização por danos morais aplicada pela justiça cível pode atingir 500 salários mínimos, em torno de R$ 500 mil. Qual dessas penas possui maior potencial para coibir a tão odiosa discriminação?

Entretanto, o homicídio praticado em razão de discriminação étnica, orientação sexual ou identidade de gênero é tratado pela legislação penal de forma genérica e inadequada pela qualificadora do motivo torpe. O autor de crime praticado naquelas circunstâncias poderá progredir do regime prisional fechado para o semiaberto com pouco mais de quatro anos de cumprimento da pena.

No caso do crime de lesões corporais, a legislação brasileira sequer menciona ou confere tratamento mais gravoso às praticadas em razão de discriminação étnica ou orientação sexual.

Mesmo quando o legislador decide categorizar pessoas e criar crimes específicos, os resultados são questionáveis. Mesmo após a Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher ainda é um problema gravíssimo no Brasil.

No mesmo sentido, ainda que fossem criados os crimes de homicídio e lesões corporais contra agentes de segurança, o Brasil ainda amargaria uma das maiores taxas de mortalidade entre policiais no mundo.

O Direito Penal, enquanto instrumento de defesa da sociedade por excelência, não deveria estabelecer divisões entre pessoas. Não é à toa dizem o Brasil ser o país da impunidade.

Sem entrar no mérito do suposto ativismo judiciário do STF, parece-me a expansão do Direito Penal, nesses termos, presta-se a atender os interesses de grupos político-partidários, o que é lamentável e contribuiu para o estado de coisas atual.

A relação paradoxal que sociedade brasileira mantém com o Direito Penal, movida muitas vezes pelo interesse de partidos políticos ou dos meios de comunicação, tem que ser mudada urgentemente. A caminhar dessa maneira, o Direito Penal brasileiro está fadado a tornar-se um faz de conta.

*delegado de polícia em SP e especialista em Direito Penal, é mestre e doutorando na PUC-SP