Marcha para Jesus ora por policiais e exibe símbolos da direita
A Marcha para Jesus já estava na metade de seu trajeto entre a estação da Luz e a praça Heróis da FEB, na zona norte de São Paulo, quando um dos caminhões de som que animavam a multidão fez uma parada súbita.
Do outro lado da avenida Tiradentes estava o conhecido prédio em tom alaranjado que sedia a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), unidade de elite da Polícia Militar de SP. A música foi interrompida e o cantor que puxava a melodia gospel pediu que a multidão o acompanhasse em uma oração em prol dos policiais.
“Em nome de Jesus Cristo, queremos orar por aqueles que têm o compromisso de proteger nossas vidas e nossa segurança. Senhor Jesus, pedimos que proteja a todos os policiais militares contra a malignidade, e que as trevas em seu caminho sejam dissipadas”, entoou.
O louvor aos policiais é uma marca registrada da direita. Não foi a única no evento anual promovido pela Igreja Renascer em Cristo com participação de outras denominações, autointitulado o maior encontro evangélico do planeta.
A 27ª edição da Marcha foi a primeira com a presença de um presidente da República, e o fato de Jair Bolsonaro e os evangélicos terem uma relação muito próxima parece ter reforçado o apoio dos participantes a seu governo e suas ideias.
Havia, por exemplo, muita gente com as camisetas da seleção brasileira, que foram alçadas a símbolos da direita durante os atos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2015/16 e mantêm esse status.
A manicure Daniela de Souza, 28, era uma que vestia a “amarelinha”. “Precisamos orar pelo Brasil”, disse. Perguntei se ela se referia ao time de Tite, que não vem empolgando na Copa América, ou ao país.
Ela me olhou com aquela cara de quem acaba de ouvir uma pergunta idiota (era mesmo), mas respondeu pacientemente. “Estou falando do nosso país, claro. Se a gente não orar, não vai ter solução”.
Também havia inúmeras bandeiras de Israel, país com o qual os evangélicos têm uma relação antiga de apoio, e que está em alta desde que foi elevado a uma espécie de condição de aliado estratégico pelo atual governo.
Jean Carlos de Carvalho, 42, balançava uma bandeira enorme do Estado judeu, pesando 5 kg. A cada cinco minutos, precisava se revezar com um amigo. “É muito importante [o apoio a Israel], porque foi lá que a história cristã começou”, disse, ofegante sob o sol forte da manhã paulistana.
Num trecho do canteiro central da avenida, o vendedor Daniel Nunes, lucrava com uma ideia engenhosa: criou uma camiseta que misturava os universos evangélico e militar e não parava de vendê-la, a R$ 25 a unidade. “Se não fosse a fiscalização da prefeitura, eu estaria vendendo mais”, reclamou, ao lado de sua mercadoria pendurada em um varal improvisado no local.
O apoio a Bolsonaro, claro, foi dominante na Marcha, apesar de alguns poucos terem feito o sinal de polegar para baixo no meio da plateia quando ele começou a falar no palco do evento. Passados seis meses e alguns escândalos, o presidente continua recebendo elogios pelo discurso do combate à corrupção e pedidos de paciência ante a cobrança de resultados.
“O presidente está começando agora, pegou tudo muito bagunçado”, disse a professora Leticia Ferreira, que aplaudiu efusivamente o breve discurso de Bolsonaro.
Para o vendedor Marcos Ribeiro da Rocha, 36, com o novo governo e o tamanho da Marcha, fica impossível ignorar a força dos evangélicos. “O Brasil agora enxerga o tamanho da igreja”, diz ele, que é fiel da Renascer. “Existe conhecimento, mas ainda não há entendimento da maioria da população sobre quem somos”, afirmou.
A ordem e o respeito à autoridade, diz ele, são marcas dos evangélicos. “Você não vê uma briga, um consumo de bebida alcoólica, uma fumaça de cigarro. Vai lá ver a Parada Gay domingo e compara”, disse.