Na capital nacional do cigarro, Bolsonaro é aliado contra ‘preconceito’ com fumo

Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires (RS) – Em Santa Cruz do Sul, na região central gaúcha, o tradicional portal que dá as boas-vindas em alguns municípios do interior tem em um dos pilares a marca da fabricante de cigarros Souza Cruz.

Para não restar dúvidas de que a agradável cidade de 120 mil habitantes é a capital brasileira do fumo, um de seus mais chamativos edifícios, ocupando meio quarteirão numa das principais avenidas, é o quartel general da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil).

Neste prédio, sede da entidade que representa os plantadores de fumo do país, joga-se parte do futuro econômico da cidade e do setor tabagista.

Além da Souza Cruz, a cidade conta com a presença das fabricantes de cigarros Philip Morris e JTI, de diversas processadoras de fumo cru e de milhares de pequenos produtores da planta.

Em cidades do entorno, como Venâncio Aires e Candelária, a economia gira em torno do tabaco. A lavoura foi introduzida por colonos alemães no início do século 20, que encontraram solo e clima propícios nessa região temperada.

A indústria do fumo se vê cercada pela crescente cultura antitabagista, pelo contrabando dos cigarros paraguaios e pelo consenso científico de que fumar faz mal à saúde. De dentro do bunker da Afubra, Benício Werner, 71, presidente da entidade no quarto mandato, dedica-se a tentar dar sobrevida ao setor.

Depois de muito tempo, ele finalmente sente algum motivo para alívio, com a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro. “A ministra Tereza Cristina [Agricultura] nos disse que o tabaco vai ser visto como as outras culturas. Não queremos favor, apenas sermos tratados de forma igual”, diz ele.

Os produtores de fumo veem tucanos e petistas como inimigos. O PSDB por abrigar um notório militante antitabagista, o ex-ministro da Saúde José Serra, que declarou guerra ao setor enquanto esteve no cargo; o PT, por ter assinado a convenção da Organização Mundial da Saúde contra o tabaco, em 2003.

Já o governo Bolsonaro criou um grupo de trabalho que estuda a mudança na tributação dos cigarros para combater o contrabando, que hoje já responde por metade do mercado. Para Werner, foi um gesto “fenomenal”. “Os cigarros mais baratos poderiam ter redução de imposto, que seria compensado com aumento nas marcas premium”, diz.

Contra o cerco que se fecha, os fumicultores adotam duas estratégias. A primeira é mostrar a importância econômica e social do setor.

Segundo dados da Afubra, 159 mil famílias plantam tabaco hoje no Brasil, uma atividade presente em 556 municípios. “Há cidades em que 80% da arrecadação vem do fumo”, diz o presidente da entidade.

A esmagadora maioria da produção é tocada por famílias em pequenas propriedades ( 87% têm até 20 hectares). Cerca de 90% da produção é exportada, o que rendeu ao país US$ 1,9 bilhão em 2018.

Mas a atividade vem caindo. Nos últimos dez anos, o número de famílias vivendo do fumo no Sul do Brasil caiu 17%, embora a redução na produção tenha sido menor, de 4%.

O presidente da Afubra, Benício Werner

A segunda estratégia é relativizar os malefícios do cigarro e apresentar o setor como vítima de perseguição por parte do governo, da imprensa e do lobby antitabagista.

“A poluição do ar mata muito mais do que o cigarro”, afirma Werner. Ele admite que fumar é um ato que envolve riscos, mas diz que corrê-los deveria ser uma decisão individual, assim como tomar cerveja ou cachaça.

Werner dá como exemplo sua própria história: presidente do principal grupo de defesa dos produtores de tabaco, ele não fuma. “Não tenho nenhum problema com o cigarro, apenas não peguei esse costume. Nunca tive esse gosto, e respeito quem tem”, diz.

Entre os produtores, há muita reclamação de preconceito contra as lavouras do tabaco, especialmente na hora de obter financiamento.

Quando Gilmar da Silveira, 40, dono de uma pequena propriedade na cidade de Venâncio Aires, precisou comprar uma estufa nova para as mudas de tabaco, não conseguiu recursos em bancos públicos e privados. Acabou pegando financiamento com a Philip Morris, que compra toda sua produção, de 70 mil pés.

O produtor de fumo Gilmar da Silveira, da cidade de Venâncio Aires (RS), com as mudas de tabaco que plantou

“A gente nem procura o banco mais, eles travam ao saber que é para o fumo. As pessoas pensam coisas sobre nós que não são a realidade”, afirma. Silveira diz que só conseguiu dinheiro para comprar um trator porque também o utiliza para plantar milho.

Dono de sete hectares na zona rural de Santa Cruz do Sul, Paulo Peckenkamp, 36, teve uma safra ruim no ano passado, em razão do mau tempo. As perdas foram parcialmente cobertas pelo seguro feito pela Afubra, e ele não pretende desistir da plantação.

“O lucro compensa, mas são três meses de trabalho bem judiado [duro]”, afirma ele, que há 45 dias plantou mudas numa estufa. Dentro de um mês, serão transplantadas para um terreno onde, em novembro, estarão prontas para a colheita.

“Quando eu era criança, olhava o campo e era tudo fumo. Hoje é só uma manchinha aqui e outra ali. O governo tem de fazer alguma coisa para ajudar”, afirma ele, que votou em Bolsonaro.

Ele e muita gente no cinturão do fumo, onde o presidente venceu no segundo turno com margens que passaram de 70% em diversas cidades.