Percorri 720 km da ‘estrada da soja’, prioridade de Bolsonaro, e não curti

BR-163 (MT) – Como uma serpentina, a BR-163 corta o Brasil de norte a sul, de Tenente Portela (RS) a Santarém (PA). Com cerca de 3.500 km de extensão, é uma das rodovias mais importantes do país por um motivo simples: atravessa o Centro-Oeste, sendo uma das grandes responsáveis pelo escoamento da produção de grãos do país, sobretudo soja e milho.

Não é por acaso que uma das primeiras promessas do governo Jair Bolsonaro na área da infraestrutura foi completar o asfaltamento dessa via, que ainda hoje tem um trecho de 50 km de estrada de terra perto do porto de Miritituba (PA).

Um batalhão de engenharia do Exército está trabalhando na obra, e a promessa é de que fique pronta até o final do ano.

Mapa da BR-163, do RS ao PA (Reprodução)

Na semana passada, percorri 720 km de carro na BR-163, no trecho mato-grossense, justamente o maior corredor de produção de soja do Brasil. Onde, aliás, Bolsonaro ganhou de lavada na eleição do ano passado, em geral com margens acima de 60% no segundo turno (em alguns casos, perto de 80%).

Fui de Nova Mutum até Sinop, e depois de Sinop a Cuiabá. E não gostei muito da experiência.

Tirando um pequeno trecho de 50 km duplicado, perto da cidade de Nobres (MT), é tudo pista simples. Carretas-monstro percorrem os dois sentidos da estrada em fila indiana, e aí resta ao pobre motorista de carro (euzinho) duas opções: conformar-se com uma velocidade máxima de 80 km/h atrás de uma delas ao longo de vários quilômetros, ou aventurar-se numa série de ultrapassagens que lembra uma perigosa gincana (eu alternei entre as duas possibilidades).

Em determinado momento, contei os 100 primeiros veículos que vinham no sentido contrário ao meu. Exatos 80 eram carretas. Os outros 20 eram carros, ônibus, vans etc. Não me lembro de ter estado em alguma rodovia em que 80% do tráfego era de caminhões.

Não à toa, diversas pessoas preferem pegar a estrada à noite, quando o movimento das carretas cai. Parece  mais perigoso, mas na verdade é bem menos arriscado.

A qualidade do asfalto também não é das melhores. Não há muitos buracos, mas eles não são inexistentes. O que chama a atenção são as ondulações e imperfeições na pista, diferente do tapete asfáltico que se esperaria de uma estrada concedida. Sim, a BR-163 é administrada pela iniciativa privada, com pedágio e tudo. No caso, pela boa e velha Odebrecht.

Carreta na BR-163 em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso (Fábio Zanini/Folhapress)

Durante uma semana no circuito da soja do Mato Grosso, ouvi duas queixas principais de grandes produtores rurais. A primeira, mais segurança nas fazendas. A segunda, estradas melhores, sobretudo a BR-163.

“Escoar a produção pelos portos do Norte encurta a viagem em dois a três dias em relação aos do Sul. Traz um ganho de R$ 3 a R$ 4 por saca de soja”, diz Tiago Stefanello, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Sorriso (MT), maior produtora nacional de soja. A saca na região tem preço médio de R$ 65, ou seja, o ganho com a estrada poderia chegar a 6%.

O asfaltamento total da BR-163 é importante, claro, mas o que faria mesmo a diferença seria ter uma rodovia moderna, duplicada e bem pavimentada, para dar fluxo à gigantesca produção de grãos do Centro-Oeste. Isso seria ainda mais importante dado que as alternativas ferroviárias planejadas, sobretudo a famosa Norte-Sul, também progridem a passos lentos.

Mas para os produtores rurais da região o sonho de uma infraestrutura condizente com o tamanho do agronegócio no Brasil de hoje ainda parece distante.