Eleição de domingo deve tornar espanhol Vox estrela da ultradireita europeia
O clube da extrema direita europeia, que não para de crescer, deve ganhar um integrante de peso após a eleição de domingo na Espanha. O Vox, partido fundado em 2013, tem tudo para se graduar de fenômeno regional para protagonista na política do país.
Pesquisas dão cerca de 10% de votos a essa legenda que por enquanto tem relevância apenas no Parlamento regional da Andaluzia (sul do país), onde dá apoio legislativo ao governo de direita local, sem ocupar cargos. Mas a curva do partido nas pesquisas é ascendente, e o número de indecisos chega a quase 30%.
Mauricio Moura, fundador da empresa Ideia Big Data, está na Espanha acompanhando a eleição para um trabalho acadêmico da universidade George Washington (EUA), onde é professor. Ao blog, ele relatou que essa é uma eleição marcada pela imprevisibilidade.
“O Vox está surfando uma onda global, a da nova política. Faz o discurso do ‘contra tudo isso que está aí’. E têm uma rede orgânica extensa de apoiadores nas redes sociais”, diz Moura. Qualquer semelhança com uma certa campanha presidencial vitoriosa no Brasil recentemente não é coincidência.
A política espanhola está em mutação. Até o começo da década, vigorava basicamente um bipartidarismo em nível nacional, com o PSOE (Partido Socialista) e o PP (centro-direita) revezando-se no poder, em geral apoiando-se em legendas regionais na Catalunha, País Basco ou Ilhas Canárias.
A crise econômica iniciada em 2010 gerou o movimento dos “indignados”, e deles surgiu o Podemos, com uma plataforma mais à esquerda que a do PSOE. Na direita, o desgaste do PP primeiro deu origem ao Ciudadanos, partido surgido na Catalunha em oposição ao movimento separatista local. O bipartidarismo transformou-se num sistema com quatro legendas.
O Vox deve ser o quinto elemento. O partido tem três grandes bandeiras, explica Moura: “São o combate à corrupção, o discurso anti-imigração e a defesa de um Estado desburocratizado, que favoreça o cidadão que quer empreender”. (É possível ver ecos do liberalismo de Paulo Guedes aqui).
Também é comum nos discursos a negação de temas caros à esquerda, como a paridade salarial de gênero, e a relativização de pontos da ditadura do generalíssimo Francisco Franco, morto em 1975. São contra o aborto e o casamento gay e se declaram um partido adepto dos valores cristãos. Tudo lembra muito a plataforma que elegeu Bolsonaro, portanto.
O que pode dar fôlego ainda maior ao Vox é o fato de muitos eleitores da direita tradicional não considerarem o partido extremista e não terem grandes dramas de consciência em votar nele, ao contrário do que ocorre na França, em que há uma resistência à Frente Nacional. “Há uma visão de que o Vox é um PP rejuvenescido, e portanto que pode e merece ser votado”, afirma Moura.
De fato, o Vox foi criado como uma dissidência do PP, carcomido por disputas internas, envolto em acusações de corrupção e que estaria cedendo espaço demais para as regiões autônomas espanholas e os burocratas da União Europeia. Seu líder é Santiago Abascal, 43, sociólogo e ex-deputado do PP no País Basco (norte espanhol).
Apesar da força que demonstra, o Vox dificilmente formará o próximo governo espanhol, a não ser como parte de uma coalizão de centro-direita liderada pelo PP e que inclua o Ciudadanos.
Mas é difícil imaginar a nova e a velha direita se reconciliando após uma campanha agressiva de parte a parte. Em compensação, na esquerda o cenário não é muito melhor: PSOE e Podemos, juntos, não devem conseguir maioria no Parlamento, e teriam de se aliar a legendas regionais para governar, o que é algo sempre complexo e criticado na Espanha.
As últimas pesquisas dão vantagem ao PSOE, do premiê e candidato à reeleição Pedro Sanchez, com em torno de 30% das intenções de voto, seguido por PP, com cerca de 20%.
Assim, Abascal deve emergir como um novo ator da direita radical europeia, mas sua chance de obter o mesmo de status de líderes como Viktor Órban (Hungria) e Matteo Salvini (Itália) ainda deve demorar um pouco para chegar.
A possibilidade de que nenhum partido ou coalizão consiga obter maioria é grande, levando a um longo período de impasse ou até a uma nova eleição. Cenário pouco animador para um país com desemprego na casa de 15%, uma das maiores taxas da Europa.