No Rio Grande do Sul, ultraliberais flertam até com ‘anarquismo capitalista’
Existem liberais. Existem superliberais. E existe o Clube Farroupilha, de Santa Maria (RS).
Perto da turma do Farroupilha, o ministro Paulo Guedes é quase um social-democrata. Ok, estou exagerando, mas basta uma rápida olhada no texto de apresentação do grupo para ter a noção do pólo ideológico em que eles se encontram.
Uma das influências da entidade, cujo nome homenageia a revolução gaúcha contra a Monarquia entre 1835 e 1845, é o anarcocapitalismo (que, aliás, é o tema do presidente do Instituto Mises Brasil, Helio Beltrão, em sua coluna de estreia na Folha).
Para esse corrente do liberalismo, o Estado representa a pior forma de opressão e tem de ser banido. As relações sociais e econômicas deveriam ser baseadas apenas nos princípios da produção, da propriedade privada e das trocas comerciais. Serviços como educação, saúde e segurança seriam providos pelo mercado.
É uma forma menos conhecida do que o anarquismo clássico, associado à esquerda, no qual o Estado também seria banido, mas com protagonismo dos trabalhadores e movimentos populares.
Gianluca Lorenzon, 26, é fundador do Farroupilha e hoje preside seu Conselho Administrativo. É também um anarcocapitalista convicto. Segundo ele, os adeptos dessa escola, embora ainda sejam poucos no Brasil, cumprem a função estratégica de servir como contraponto ao radicalismo de esquerda.
“Os anarcocapitalistas mantêm a discussão equilibrada. Você precisa de radicais dos dois lados”, diz. Para ele, o erro dos liberais dos anos 1990 foi ter amenizado o discurso, para tentar torná-lo mais palatável à sociedade. Consequência: veio o PT com força e ficou 13 anos no poder.
“Outro dia um deputado do PT do Ceará falou que queria criar a poupança solidária, ou seja, aquilo que fosse acima de R$ 2.000 seria confiscado pelo governo. A gente então rebateu falando que imposto é roubo. Ninguém está aí para acabar com o imposto, mas você precisa equilibrar o discurso”, exemplifica.
Mais um exemplo: enquanto liberais defendem que o Estado libere o consumo de drogas, os anarcocapitalistas acham que essa deve ser uma discussão totalmente privada, e feita em casa. “A questão das drogas deve ser discutida dentro da família”, afirma Lorenzon.
Segundo ele, o que os anarcocapitalistas querem é a liberdade suprema. “Você desejar um sistema já está errado. É ir em direção ao máximo respeito à liberdade individual”, afirma.
O Farroupilha foi formado em 2013 por estudantes na Universidade Federal de Santa Maria, onde o pensamento de esquerda, como no meio universitário em geral, é dominante.
“O ambiente era muito hostil, de professores e estudantes”, afirma Lorenzon, que diz que na época passou a ser chamado de representante da extrema direita, rótulo que rejeita (mas aceita o de “direitista”).
“Naquele momento, qualquer coisa fora do que era considerado normal era classificado de extrema direita. Em 2013, Olavo de Carvalho não era nem conhecido”, diz, sobre o filósofo e guru do governo Bolsonaro.
O Clube Farroupilha tem outras referências liberais, não apenas o anarcocapitalismo. Entre elas, a Escola de Chicago (voltada à economia, da qual Paulo Guedes é um adepto) e a Escola Austríaca (mais próxima da ideologia libertária, que aceita a existência de Estado, embora mínimo).
Além de seminários, debates e cursos de formação, eles organizam também fóruns sobre empreendedorismo. Financiam-se por meio de patrocinadores e contribuições de voluntários.
Em sua carta de apresentação, o Farroupilha define sua missão como sendo a “defesa de uma sociedade mais próspera, por meio de liberdades sociais e econômicas irrestritas”.
Seu principal opositor são as “ideias arcaicas da esquerda”, representadas sobretudo pelo “sonho do nacional-desenvolvimentismo lulopetista”. Mas também aponta equívocos estatizantes em períodos como o governo Juscelino Kubitschek (1956-61) e o regime militar (1964-85).
O Farroupilha, a exemplo de outros institutos liberais, tem fornecido quadros para o governo, política e mercado. São egressos do instituto, por exemplo, Fabricio Sanfelice, empreendedor do setor de bitcoin; Rafael Dal Molin, diretor de operações do Instituto Mises Brasil, Giuseppe Riesgo, deputado estadual (Novo-RS), Felipe Rosa, coordenador de economia da bancada estadual do Novo-RS e André Freo, diretor internacional do SFLB, entidade estudantil libertária.
Mais sintomático, o grupo tem também um representante importante no governo, o próprio Lorenzon, que é diretor de Desburocratização do Ministério da Economia. Sob a batuta de Paulo Guedes, ele tem a função nada simples de levar os princípios ultraliberais para um governo que vem suscitando dúvidas nesse campo.