O que é o marxismo cultural, que o novo ministro da Educação quer combater?
Além da baixa qualidade do ensino público, da desmotivação dos professores e da falta de infraestrutura nas escolas, o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, parece ter outro inimigo, talvez até mais poderoso: o marxismo cultural.
O risco que essa forma de esquerdismo representa para ele ficou claro logo no início de uma palestra em dezembro do ano passado, num fórum conservador em Foz do Iguaçu (PR) (veja o vídeo). Contra ameaça tão premente, a receita de Weintraub é simples: doses cavalares do pensamento do filósofo Olavo de Carvalho.
O que é esse fantasma da direita chamado “marxismo cultural”? Liberais, conservadores, bolsonaristas e olavetes têm uma relação ambivalente com o conceito.
Por um lado, consideram-no uma ameaça existencial. Ao mesmo tempo, o veem como uma espécie de “fruto proibido”: reconhecem que o marxismo cultural exerce uma influência sobre o pensamento contemporâneo que eles podem apenas sonhar em igualar. E querem fazer igual, mas com o sinal trocado.
A própria expressão é controversa. Raramente você verá um esquerdista que a utiliza. Costuma ser mencionada por uma ala da direita radical que acredita na existência de uma espécie de conspiração socialista de dominação global. Nela, como disse na mesma palestra Arthur Weintraub (irmão do novo ministro), cabem o PT, Cuba e o ex-presidente dos EUA Barack Obama. Olavo de Carvalho e seus discípulos partilham da tese.
Há dezenas de referências de esquerda que estariam na origem do marxismo cultural, mas vou destacar duas: o italiano Antonio Gramsci (1891-1937) e a turma da Escola de Frankfurt, surgida nos anos 1920.
Baseado nas conversas que ando tendo, digo sem medo de errar que hoje Gramsci rivaliza com Karl Marx na trinca dos maiores inimigos da direita (o terceiro elemento é o economista britânico John Maynard Keynes). Sua contribuição ao pensamento de esquerda foi fazer uma releitura da teoria marxista, reduzindo o peso do materialismo econômico e transportando-a para o campo da cultura.
Ou seja, para Gramsci, tão ou mais importante que a batalha pelos meios de produção é o conceito de hegemonia cultural. A maneira como é contada a história, os valores da sociedade civil, as manifestações culturais são os campos onde a guerra é travada.
A Escola de Frankfurt, sob o comando de Max Horkheimer (que Arthur Weintraub cita várias vezes na palestra), expandiu esse conceito e apoiou-se em disciplinas como sociologia, filosofia e as teses existencialistas para reanalisar o marxismo.
Mas o gramscismo e os discípulos de Horkheimer (entre eles pensadores influentes, como Theodor Adorno e Herbert Marcuse) só passaram a habitar os pesadelos da direita muitas décadas depois de seu surgimento, nos ano 1990.
Não é difícil entender o motivo. Na análise feita pela direita, a esquerda se reinventou a partir da queda do bloco comunista: desistiu de apresentar uma alternativa ao capitalismo e passou a priorizar a hegemonia cultural, em universidades, na imprensa, nas artes, na economia e em muitos outros campos.
Como diz Arthur Weintraub na palestra de Foz do Iguaçu: “A coisa é séria. Quando caiu o Muro de Berlim, a gente pensou: ‘puxa vida, agora acabou, não tem mais comunismo’. Mas eles se reinventam”.
Multiculturalismo, globalismo, desenvolvimentismo, feminismo, ações afirmativas, social-democracia, secularismo, aquecimento global, ambientalismo e dezenas de outras manifestações que questionam ou relativizam o sistema liberal, os valores conservadores e a civilização judaico-cristã ganharam o rótulo de “marxismo cultural”.
Mas é como me disseram já diversos direitistas: culpados fomos nós, que deixamos o campo cultural aberto para a esquerda. Agora, é hora de reagir, na mesma moeda: instilando valores conservadores na academia, na mídia, no cinema, na literatura.
Essa é a cruzada de Olavo, do novo ministro da Educação e de muitos outros.