Na PB, megaevento evangélico compete com Carnaval e usa estrutura do São João

Campina Grande (PB) – Enquanto os blocos de rua passavam, a Mangueira encantava a Sapucaí e o Brasil discutia o que é “golden shower”, um público estimado em 120 mil pessoas passava um Carnaval bem diferente em Campina Grande (PB).

Eles participavam da vigésima edição do Encontro Para a Consciência Cristã, hoje o maior evento evangélico do Nordeste e um dos principais do Brasil. Não apenas o período escolhido para sua realização é simbólico, mas o local também: o Parque do Povo, mais conhecido por abrigar “o maior São João do mundo”, em junho (embora a pernambucana Caruaru discorde desse título).

O fato de um evento gigantesco como esse ocorrer todos os anos durante o Carnaval num centro urbano de médio porte como Campina Grande mostra a força dos evangélicos no Nordeste. A cidade de 410 mil habitantes mal dá conta de receber tantas pessoas de fora, e tem gente que acampa ou se acomoda em sofás de desconhecidos, como relata o organizador do evento, pastor Euder Faber, 47.

Baixinho, franzino e carismático, pastor Euder comanda o show de seu modesto escritório numa casa perto do centro da cidade paraibana.

O pastor Euder Faber, 47, em seu escritório em Campina Grande (Fábio Zanini/Folhapress)

Ex-coroinha da Igreja Católica que se converteu em 1996, ele é um verdadeiro empreendedor do mundo evangélico. Preside uma entidade chamada Visão Nacional para a Consciência Cristã (Vinacc), que organiza o encontro. A exemplo dos responsáveis pelo Carnaval do Rio, mal termina uma edição e ele já começa a pensar na do ano seguinte.

A Vinacc é um guarda-chuva de igrejas evangélicas de Campina Grande, reunindo cerca de 70% das denominações presentes na cidade. Só ficam de fora as neopentecostais, como Universal, Renascer e outras. “A gente prioriza mais o lado evangelizador, não tanto a teoria da prosperidade que essas igrejas representam”, alfineta.

A entidade ainda conta com uma editora própria de livros, a Visão Cristã, um canal no YouTube e uma plataforma online de distribuição de vídeos cristãos, a Blesss (com três “s” mesmo).

Mas o carro-chefe é mesmo o encontro, que começou de forma modesta, em 1999. “Na primeira edição reunimos 300 pessoas num museu”, lembra o pastor, que é da igreja O Brasil Para Cristo.

O encontro funciona como um festival, mas sem músicas ou shows. São debates, palestras, uma feira de livros e eventos paralelos. Na tenda principal, convidados, alguns deles internacionais, se revezam durante sete horas por dia. Nos 22 eventos paralelos, foram discutidos temas tão diversos como arqueologia bíblica, islamismo, design inteligente (espécie de criacionismo repaginado) e depressão.

Estrutura do encontro é desmontada no Parque do Povo, em Campina Grande (Fábio Zanini/Folhapress)

A chave para o sucesso do evento, conta o pastor Euder, é marcar Campina Grande como uma “cidade-retiro”. A população historicamente tem um viés conservador, expresso já há algumas eleições. Em 2014, Aécio Neves bateu Dilma Rousseff, e em outubro passado Jair Bolsonaro venceu nos dois turnos.

“Aqui nunca houve muito Carnaval de rua. Então, se tornou um point dos evangélicos, que não se identificam com a festa”, afirma.

O evento custa R$ 810 mil. Cerca de 40% são bancados por editoras que participam da feira de livros, e o resto vem de alguns patrocínios e colaborações de fiéis, além de ajuda da prefeitura, que cede o espaço.

Mesmo com o governo Bolsonaro ainda fresco e a empolgação natural no meio evangélico com os valores que ele defende, o encontro tomou cuidado com questões políticas, diz o pastor. “A gente procurou não entrar muito na temática nacional. Temos uma cautela muito grande”. Políticos locais foram convidados para a abertura, mas não discursaram.

A entidade não se manifesta sobre política, mas seus líderes, sim. O pastor Euder foi de Bolsonaro. “O brasileiro de direita era visto como um cão sarnento. O Bolsonaro teve a sacada de fazer uma leitura correta da época, as coisas estão mudando”, diz ele.

A conjuntura, diz o pastor, é favorável para os evangélicos, e não apenas por terem um aliado na Presidência. “A Igreja Católica se enfraqueceu muito desde que abraçou a questão social e deixou a evangelização de lado. Não existe vácuo, nem de poder, nem de espírito. O espaço sempre vai ser ocupado”, afirma.