No Brasil, direitista venezuelano pede ação militar contra Maduro

Roderick Navarro parecia desconfiado quando eu o contatei por WhatsApp, propondo uma conversa. Pediu que enviasse reportagens que fiz, perguntou se eu já havia escrito sobre a Venezuela, e acho que só se convenceu quando eu disse que ele podia pedir referências minhas a Kim Kataguiri, do MBL, que conheço desde quando era colunista da Folha. “Tá ok, Fábio! A gente pode se encontrar”, disse, finalmente.

Ele propôs que a conversa fosse num Starbucks da av. Engenheiro Luís Carlos Berrini, zona sul de SP — local de impecáveis credenciais coxinha, portanto. Chegou na hora marcada, com uma camiseta com os dizeres: “Lógica Comunista – Dinheiro não traz felicidade. Me dê o seu e seja feliz”. Carregava dois celulares repletos de vídeos e fotos.

Roderick, 31, é um ex-líder estudantil venezuelano procurado pela ditadura de Nicolás Maduro. Fugiu para o Brasil em agosto de 2017, quando viu num programa de TV o general González López, chefe do Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional), mostrar fotos de inimigos do regime. A sua estava entre elas.

Primeiro cruzou a fronteira terrestre para Cúcuta, na Colômbia, e de lá voou para Bogotá. Dias depois, a TV estatal venezuelana mostrou imagens do apartamento em que ele e um colega estavam vivendo na capital colombiana. Decidiu fugir de novo. Pegou outro avião, dessa vez rumo a Brasília. Desde então, não voltou a seu país.

Roderick já foi o principal líder estudantil venezuelano. Entre 2009 e 2010, quando cursava idiomas modernos (equivalente ao nosso curso de Letras), presidiu a Federação dos Estudantes da Universidade Central da Venezuela, uma espécie de USP local. Fundada em 1721, é a maior, mais antiga e mais influente instituição de ensino do país. É um dos centros onde a oposição ao chavismo começou a ganhar força, por volta de 2007.

À frente do movimento estudantil, ele liderou manifestações contra o regime. Num de seus celulares, guarda com orgulho uma foto de 2010 em que aparece encarando um policial venezuelano.

Roderick encara policial durante protesto em 2010 (Arquivo pessoal)

No ano seguinte, Roderick liderou uma greve de fome em frente à embaixada brasileira, pedindo apoio do governo de Dilma Rousseff (não conseguiu, obviamente).

Mas seus acenos ao PT ficaram no passado. O ex-líder estudantil é hoje um dos coordenadores do Rumbo Libertad, uma organização que defende um programa claramente liberal na economia e conservador nos costumes. “Somos os únicos representantes da direita venezuelana”, diz.

Jair Bolsonaro, claro, é um modelo a ser seguido. “Ele salvou vocês de serem uma nova Venezuela. É um exemplo para a América Latina”, diz Roderick, que conheceu Bolsonaro e seu filho Eduardo pouco depois de chegar ao Brasil, numa audiência na Câmara dos Deputados. Desde então, aproximou-se do MBL (com quem fez uma espécie de workshop de redes sociais) e de lideranças do PSL, o partido do presidente.

O Rumbo tem cerca de 300 integrantes ativos, diz ele. Na Venezuela seriam 100, muitos na clandestinidade, atuantes no movimento estudantil e com presença nos escalões mais baixos das Forças Armadas. O restante está espalhado por países como Colômbia, Espanha, EUA e Brasil.

A fuga de Roderick e de outros colegas da Venezuela tem sua origem em um episódio obscuro. Em 11 de agosto de 2017, um grupo de militares de baixa patente da cidade de Valencia, a 167 km de Caracas, tomou uma base para “restabelecer a ordem constitucional” e derrubar Maduro.

O movimento durou apenas algumas horas e seus líderes foram presos, mas Roderick e aliados do Rumbo Libertad foram acusados de dar apoio civil ao ato. O ex-líder estudantil nega, diz que nem estava na cidade, e que tudo que fizeram foi gravar um vídeo parabenizando a coragem dos militares amotinados.

No Brasil, ele diz que tem autorização de residência temporária e que não tem interesse em pedir refúgio político. “”Quero voltar para a minha terra para libertá-la”, afirma. Dedica-se ao ativismo e a coordenar o Rumbo Libertad à distância, por meio de uma extensa rede de WhatsApp.

Pergunto como ele se sustenta no Brasil, e a resposta é vaga. Diz que sobrevive de contribuição de amigos e vaquinhas. “Há uma fraternidade muito bonita para nós aqui”, afirma. Insisto na pergunta e peço a ele para ser mais específico, mas de novo a resposta é genérica. “São grupo de amigos, cidadãos normais, solidários, que nos ajudam”. Partidos? Movimentos? MBL? “Não”, ele responde apenas.

Apesar da aparência de Exército de Brancaleone de seu grupo, Roderick diz que o momento atual é favorável para a direita. “O fracasso do Maduro acordou as pessoas”, afirma. O plano é, quando for possível voltar à Venezuela, transformar o Rumbo Libertad em um autêntico partido político de direita.

Em janeiro, Roderick publicou na Folha um artigo em que defendia a formação de um governo venezuelano no exílio e rejeitava que Juan Guaidó, líder da Assembleia Nacional que se declarou presidente da Venezuela, pudesse ser uma alternativa para o país. A razão: um suposto caráter “socialista” do Voluntad Popular, partido de Guaidó.

“Maduro e a oposição são parte do mesmo problema”, diz ele, em referência ao que vê como falta de comprometimento do opositor com reformas econômicas profundas, de caráter liberal.

Desde então, ele temperou suas opiniões e agora aceita que Guaidó é a melhor chance de o país se livrar de Maduro. “Não reconhecer Guaidó como presidente agora seria ridículo”.

E como se faz para Guaidó consolidar sua autoridade?, pergunto. É aí que o ex-líder estudantil se diferencia de outros opositores: ele não acredita em rachar o regime por dentro e acha imoral acenar com anistia a militares que abandonem Maduro. Defende uma intervenção militar estrangeira.  Com a participação do Brasil? “Com todos os países dispostos a participar”, diz.

Seria, na sua visão, uma “intervenção militar humanitária”, para proteger a entrada de comida e remédios. “Não é para fazer guerra”, diz, como se fosse possível haver uma coisa sem a outra. Num segundo passo, Guaidó utilizaria a força conquistada para assumir definitivamente a Presidência e prender Maduro. “Maduro não vai cair sozinho, alguém tem que tirá-lo”, afirma.